terça-feira, fevereiro 14, 2006

De volta ao disparo de Cheney

Coisas estranhamente normais

"Bush mata". Todos os dias, em qualquer parte do mundo, alguém o diz. 'Bush kills' numas versões, 'bush mata' noutras. Não poderia ser mais claro: Iraque, Palestina, a maior potência militar do mundo, a lista continua e isto anda tudo ligado. De tanto nos convencermos da sua objectividade empírica, a expressão ficou desprovida de significado (estou certo que os linguistas têm um termo para este esvaziamento, em sentido oposto ao de 'reificar'). O que quero dizer é que já ninguém pensa no que significa realmente 'um presidente matar'. E se Bush mata, Dick esfola.


É que 'Bush mata' tornou-se um slogan oco. De tal modo que quando Dick Cheney dispara de facto sobre uma pessoa, já poucos pensam no sentido ontológico da afirmação. E a verdade é que, por muito pouco, o vice-presidente dos EUA não matava uma pessoa. Fisicamente, com um disparo da sua arma. (E a ver se não mata mesmo: o tipo que levou com os tiros acaba de sofrer um ataque de coração). É uma notícia relevante, e não é um acidente.


Na caixa de pandora argumentativa sobre os cartoons (Guerra de civilizações! Não, guerra ideológica! Não, cultural! Mata! Esfola!), esquecemo-nos que a única guerra actualmente em curso acontece no Iraque, com a ocupação norte-americana e inglesa, promovida ideologica e financeiramente pelo carrasco-mor Cheney (Neo-Cons! Halliburton!). Que por sua vez é o porta-voz da National Rifle Association dos estados unidos. Isto é tudo menos um acidente.
E se o argumento 'acidental' é invocado para legitimar operações militares desastrosas e massacres que 'não deveriam ter acontecido', os blogues existem também para mostrar o sol quando nos colocam uma peneira em frente. Só na aparência esta é uma 'não-notícia'.


É que esta gente mata mesmo.


Uma nota doméstica [que foi perdendo actualidade]: Em Portugal, este pequeno qui pro quo não mereceu mais que uma caixa no Público de 2a feira (e na TV, sempre em tom jocoso). De resto, tirando os posts de A.Cabral em obitoque com ecos aqui não há uma palavra escrita sobre isto nos blogues 'de primeira liga' (aspirinab, abruptos, causa-nossa e outros do mesmo campeonato - corrijam-me se estiver enganado, não tenho dons de ubiquidade.)
Mas a verdade é que para além de piadas em late-night shows americanos (há mais uma aí em baixo, no enganador danos cu-laterais), o disparo de Cheney continuava até 3ª feira como a notícia mais referenciada no google news (mais de 4.000 links). E no technorati era até há pouco a referência mais procurada. Será a vida da blogosfera periférica?...

[imagens: excerto do relatório do estado do Texas sobre o 'incidente'; imagem completa do relatório via Smoking gun. Daí também a confirmação de que não se soube mais cedo disto porque Cheney não estaria totalmente 'legal':
"According to the state report, Cheney was wearing a "blaze orange" cap and "coat/vest" and brown trousers and was toting an Italian-made Perazzi 28-gauge shotgun. In addition to the document's release, wildlife officials reported today that while Cheney had purchased a valid non-resident hunting license, he did not obtain a required "upland game bird stamp."]

[Mais uma sugestão: - aqui - encontrarão "Dick is a Killer". Uma manipulação (audio) de frases soltas de Bush. E há mais de onde esse veio.]

3 comentários:

A. Cabral disse...

Acho que o termo em psicologia cognitiva e' "semantic satiation".
Como dizes, "repetition works!", para reificiar as imaginadas armas de destruicao massica que o Iraque alegadamente escondia, ou as suas mirabolantes ligacoes a Al Quaeda, e de seguida para banalizar o dia a dia de detencoes sem processo juridico, torturas, assassinios.

André disse...

eu acho que isto deve ter sido classificado como um ataque preventivo...
abraço
Metrografista, Aka A.B.

Miguel disse...

A. Cabral, thanks pelo esclarecimento.

E André-metrografista, bem-aparecido! Como vão as mulheres do norte?