“His life became myth, his myth became law” (The Number, Jonny Steinberg)
Aproprio-me da vida e do mito de Nongoloza e por isso devo uma nota explicativa. Alguns poderão dizer que a sua vida dava um bom filme de polícias e ladrões. Isto só em parte é verdade.
O verdadeiro Nongoloza nasceu Mzuzephi Mathebula em 1867, algures na província de Natal ou na então Zululândia (uma única província na África do Sul pós-apartheid). Começou a trabalhar numa propriedade de Afrikaaners. No dia em que um dos cavalos desapareceu, o patrão de Mzuzephi forçou-o a trabalhar sem receber. Quando a oportunidade surgiu, fugiu ao que seria uma vida de opressão. Parte para uma pequena cidade mineira onde dois anos antes se havia descoberto ouro: Joanesburgo. Estávamos em 1888 e foi nesta cidade, num típico covil de ladrões, que Nongoloza criou a sua atípica fama.
Antes disso, porém, Nongoloza – rebaptizado Jan Note em Jo’burgo, um nome convenientemente holandês e inglês – trabalhou para um grupo de 4 brancos. Quando estes decidiram partilhar consigo o motivo das frequentes saídas nocturnas, Nongoloza aprendia a arte de um novo mistér: roubar, roubar, roubar. Pensou em grande e não o fez por menos: alguns anos mais tarde, em 1908, calcula-se que mantivesse sob seu comando um exército de mais de 1000 homens, algures nas encostas de Joanesburgo. Eram os ninevitas, uma poderosa organização que juntava a estrutura militar britânica com a hierarquia zulu. Não era gente fina. Quando a sua única biografia (parcelar) foi escrita, no ínicio de 1980, ainda se encontravavam pessoas vivas que relatavam o medo que sentiam dos ninevitas e de Nongoloza.
Para a história, e mesmo antes de morrer em 1948, ficava a herança do seu nome e dos ninevitas. O mito de Nongoloza ajudou a fundar a organização social da população presidiária da África do Sul, até aos nossos dias. Nessa história, Nongoloza é o possuídor da lei que organiza os 26s, 27s e 28s. Isto não é coisa pouca: ‘os números’ são os grupos que dominam as alas das prisões daquele país, com um passado de luta anti-apartheid.
Mas Nongoloza foi um fora-da-lei atípico. Combateu a ocupação colonial na exacta medida em que oprimiu seus semelhantes. Aterrorizou os brancos com quem um dia aprendeu a arte de roubar. Lutou contra a lei e a ordem coloniais antes de ele próprio tornar-se guarda prisional. Quando os ingleses fazem da vida um crime, ao instituir o trabalho forçado, Nongoloza faz do crime a sua vida.
Como escreveu Jonny Steinberg, num livro brilhante editado em 2004 na África do Sul sobre estes grupos (The Number), “there are two Nongolozas. The first is a real-historical figure who walked the actual streets of early Johannesburg. The second is the mythical Nongoloza, whose story was invented and transmitted by thousands of South African prisoners.”
Agora vai haver três Nongoloza.
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