segunda-feira, janeiro 02, 2006

wicked Wicker Park: a boémia pós-industrial e as minhas diatribes com a Joana Amaral Dias

Esta festa de passagem de ano - em que eu seria provavelmente o único 'não-artista' - foi em Wicker Park, um bairro de West-side Chicago conhecido pelas suas galerias, bares, lojas de discos e clubes 'hipster'.
Richard Lloyd, professor americano e antigo estudante da Universidade de Chicago, nos anos 90, lançou agora um livro sobre Wicker Park (Neo-Bohemia: Art and Commerce in the Post-Industrial city). Sem ainda o ter lido, este autor parece sugerir e trabalhar com um conceito de 'economia estética', no qual uma certa comunidade de 'artistas' que habitam Wicker Park (estudantes de pós-graduação em artes, pintores, artistas plásticos, músicos, tudo muito semi-profissional) constituiria a nova boémia pós-industrial. A economia estruturante de bartender / artista seria a expressão pós-fordista da nova economia moral de produção cultural.

Lloyd é criticado neste artigo por este não fazer muito mais do que um repórter dos anos 50 "checking out the Village to see what those beatnik kids are up to". Se fosse realmente isso, já não acharia mal. Resta saber o que acontecerá com este retrato congelado do presente etnográfico "da nova boémia da cidade pós-industrial", com o toque de midas das invasões yuppies. E também seria interessante pensar se algum tipo de paralelo fará sentido entre a precariedade de um call center e os part-times de Dj, como na 'comunidade boémia' do Bairro Alto. Mas o que me parece mais importante, e digo isto uma vez mais sem ter lido o livro, é que Lloyd desfaça essa imagem romântica das boémias e dos boémios, da vida em cafés e do diletantismo intelectual.
Uma passagem sobre isto no artigo de que falava há pouco:

Lloyd's description of the new bohemians of Wicker Park as "culture producers" may be far from romantic, but it's certainly apt: "unpaid for their advance work, Wicker Park locals are useful as avatars of cool." Lloyd shows how "the bohemian disposition that makes 'living on the edge' a supreme virtue is in fact quite adaptive to labor realities." That is, being an artist/bartender with a flexible schedule and no mortgage dovetails better with the New Economy than the postwar 9-to-5 guy with two cars and a house. But while the hours may be great, cool doesn't pay particularly well.

Wicker Park seria assim dierente de, por exemplo, um Soho de NY, não tanto pela atmosfera romântica da nova boémia pós-industrial, mas pelo que Wicker Park sustenta ao nível de produção cultural - um fenómeno semelhante ao que foi acontecendo em Brooklyn. Apesar da história feliz da expulsão da MTV do bairro, é verdade também que este bairro já viu melhores dias de alternativa ao galopante capitalismo urbano. Mas enquanto o preço de aluguer for razoável, Wicker Park será uma ilha urbana - a 'neo-boémia' - de virtudes por descobrir. Como o "Rainbo club", que Jorge Colombo desenhou quando viveu em Chicago (agora ilustrador na Village Voice, em N.Y.). No coração de Wicker Park, este bar surpreende (quem sabe nos seus 'fetishes esquerdistas'...) pelas pinturas de Castro, Mao e Che Guevara nas paredes. Assim vai a cultura anti-capitalista do capitalismo da noite chicagoense.

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